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Divulgar a ciência para atrair investimentos

Professora Carolina Horta fala sobre o BrazMedChem, que discutirá as parcerias entre academia e indústria farmacêutica na promoção de pesquisas na área

Kharen Stecca

Em setembro, o Estado de Goiás recebe pela primeira vez o maior evento de Química Medicinal e Descoberta de Fármacos da América Latina, o  9th BrazMedChem. O evento será realizado entre os dias 1º e 4 de setembro de 2019, na Pousada dos Pireneus, em Pirenópolis, Goiás. Esta nona edição está sendo organizada pela Universidade Federal de Goiás juntamente com a Divisão de Química Medicinal da Sociedade Brasileira de Química, da qual a professora da Faculdade de Farmácia, Carolina Horta, é diretora. 

A professora concedeu entrevista ao Jornal UFG para falar sobre o panorama atual das parcerias entre academia e indústrias farmacêuticas, que é o tema do evento deste ano. Para ela, as parcerias na área ainda são insuficientes e um dos fatores é o custo de investimento em pesquisas de novos fármacos que passam por diversas etapas até chegarem aos testes em humanos. A intenção do congresso, segundo a professora, é justamente despertar esse interesse, inclusive mostrando casos de parcerias já existentes e os caminhos utilizados para chegar a elas.

 

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O tema do congresso é “Reduzindo o espaço entre a Academia e as Indústrias Farmacêuticas para avançar na CT&I de fármacos”. Essa é também a linha que o Ministério da Educação vem sugerindo à universidade, aproximando empresas da academia de forma que o setor privado invista em pesquisa produzida pela universidade. Na sua opinião, qual o gargalo que impede essa maior aproximação?

Carolina Horta - A aproximação da academia ao setor produtivo tem ocorrido no Brasil, mais em alguns setores e mais dificilmente em outros. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) tem fomentado, incentivado e auxiliado muito nesta tarefa.

No caso do setor de fármacos, essa aproximação tem sido bastante difícil, mesmo através da EMBRAPII. É o que diz inclusive o professor Jorge Guimarães, presidente da empresa. As indústrias farmacêuticas nacionais e multinacionais instaladas aqui no Brasil não têm interesse em investir em PD&I de fármacos. As indústrias nacionais, em sua maioria, preferem apenas produzir medicamentos similares e genéricos e fornecer para o SUS. Não investem em novos fármacos, em novas tecnologias. Existem algumas poucas indústrias farmacêuticas nacionais que têm investido nessa área, e essas inclusive são nossas parceiras no evento BrazMedChem. O maior gargalo é a falta de interesse em investir massivamente em PD&I de fármacos no Brasil. Nesse caso, para as empresas, não há interesse em se aproximar dos grupos de pesquisa que desenvolvem novas moléculas, novos candidatos a fármacos, para seguirem para os estudos clínicos em seres humanos, que são muito dispendiosos.

Sabemos que há interesse das indústrias em promover pesquisas de medicações para algumas doenças e outras nem tanto, como, por exemplo, as doenças tropicais negligenciadas e também doenças raras. Como seria possível despertar empresas para a pesquisa dessas doenças, já que hoje normalmente elas são custeadas com dinheiro público?

Carolina Horta - Essa é uma grande dificuldade que temos, no mundo todo. As indústrias farmacêuticas visam lucro, e as pesquisas em novos fármacos são muito caras, muito dispendiosas e demoradas. É muito difícil convencê-los a investir um bilhão de dólares para desenvolver um novo medicamento para uma doença de países pobres ou para uma doença que afeta poucas pessoas no mundo, caso das doenças raras, sabendo que não haverá o retorno financeiro que eles visam. O congresso BrazMedChem vem justamente para mostrar a importância das pesquisas nessas áreas de doenças raras e doenças negligenciadas, e esperamos chamar a atenção das empresas farmacêuticas para despertar o seu interesse.

Quais estratégias serão apresentadas no congresso para permitir o crescimento dessa interação entre universidade e empresas?

Carolina Horta - Vamos apresentar as estratégias de empresas que já têm interagido com as universidades, e vamos discutir esse tema durante todo o congresso. Empresas como a Biozeus, Aché, Eurofarma, Instituto Vita Nova, e consórcios como o MMV (Medicines for Malaria Venture), DNDi (Drugs for Neglected Diseases initiative), SGC (Structural Genomics Center) e outras vão apresentar como estão interagindo com as universidades e como estão avançando na descoberta de fármacos.

O evento também objetiva discutir a divulgação da ciência para a sociedade. Na sua opinião por que é tão difícil divulgar a ciência? E o que a universidade precisa fazer para se comunicar melhor com a sociedade?

Carolina Horta - Primeiro, porque não somos treinados para isso. Não somos capacitados para divulgar a ciência que fazemos, em uma linguagem para a população. Então, as universidades, por meio de suas assessorias e secretarias de comunicação têm um papel essencial nesta atividade tão importante, mostrar para a sociedade a importância da ciência que fazemos, mostrar que a ciência está no cotidiano. A sociedade precisa saber qual é a importância da ciência que desenvolvemos nas universidades, para entender a importância do investimento por parte do governo e da iniciativa privada, pois não há país rico, país que atinja sua soberania, sem investimento massivo em ciência, tecnologia e inovação.

As mulheres ainda são minoria na ciência e o congresso terá um momento para falar sobre isso. Quais são os estímulos necessários para mudar esse quadro?

Carolina Horta - Iniciativas como esta, de discutir e incentivar as mulheres e meninas na ciência são um passo importante para mudar esse quadro. No 9th BrazMedChem teremos dois momentos para falar sobre isso; um na programação científica normal, em que teremos mulheres de destaque nacional e mundial para discutir a respeito das questões relacionadas ao gênero, para o público do congresso. Mas também teremos uma sessão dentro da atividade de divulgação da ciência para a sociedade, chamada “Meninas na Ciência”,  em que teremos uma bióloga, uma farmacêutica e química, uma física e uma engenheira, todas professoras da UFG, para falar para as meninas e meninos das escolas do ensino médio, e incentivá-las a seguir a carreira de cientistas.

Mas é preciso muito mais do que isto, é preciso mudança de paradigma na sociedade, com relação às questões do papel da mulher na sociedade, do seu papel na maternidade, em que na minha opinião, a maternidade deve ser totalmente compartilhada com a paternidade, assim como é em países como a Suécia. Ter filhos é algo maravilhoso, uma felicidade indescritível, mas não pode penalizar o trabalho apenas da mulher, tem que ser algo dividido. Só assim as mulheres, mesmo sendo mães, não vão se dissipar ao longo da carreira e acabar desistindo dessa carreira tão competitiva e exigente quanto à de cientista.

Fonte: Jornal UFG

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